sábado, 27 de novembro de 2010

Cine Clio - Dicas de Filme

Rio de Janeiro contra o CRIME!

O site da Revista de História da Biblioteca Nacional, trás uma matéria interessantíssima para entendermos todo o desenvolvimento histórico dos últimos acontecimentos do Rio de Janeiro.

O contato dos presos políticos durante o Regime Militar com criminosos que organizaram o Comando Vermelho foi o início da maior facção do crime organizado no Brasil.

“O Rio de Janeiro passou um dia de violência nesta quinta-feira (25), com a invasão de policiais e até militares em uma favela do subúrbio da cidade. Infelizmente, o assunto não é novo. Prova disso é a capa da "Revista de História da Biblioteca Nacional" de outubro de 2007, que perguntava “O que a História tem a dizer?” sobre o problema da violência. Em um dossiê, com nove artigos, foi contado diversos aspectos que podem explicar, ou pelo menos, contextualizar a questão. Porque o problema da criminalização dessas áreas, como é fácil entender, não nasceu recentemente.

O artigo da professora Myrian Sepúlveda dos Santos, da Uerj, por exemplo, abordava o relato de antigos detentos e funcionários do presídio da Ilha Grande, em Mangaratiba, litoral Sul Fluminense, onde, durante a ditadura militar, foram colocados lado a lado prisioneiros políticos e comuns.

“Nos anos mais severos da ditadura militar, a estratégia da repressão foi criminalizar os presos políticos. Nelson Rodrigues Filho e muitos outros militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura militar foram enviados para o Instituto Penal Cândido Mendes, penitenciária de segurança máxima que ocupava as instalações da antiga Colônia Agrícola”, escreve ela. “‘Quase dois irmãos’, filme de Lúcia Murat realizado em 2005, descreve a convivência entre comunistas e assaltantes de banco, todos submetidos à Lei de Segurança Nacional.”

Discriminação em favelas, desde sempre

Já o historiador Romulo Costa Mattos escreveu sobre como as favelas sempre foram discriminadas. Ele relata, logo no início de seu artigo, uma situação que parece ter saído dos jornais de hoje em dia.

“É o lugar onde reside a maior parte dos valentes da nossa terra, e que, exatamente por isso – por ser o esconderijo da gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou, até mesmo, sem motivo algum –, não tem o menor respeito ao Código Penal nem à Polícia, que também, honra lhe seja feita, não vai lá, senão nos grandes dias do endemoninhado vilarejo.”

O trecho se refere ao Morro da Favela, considerada uma das primeiras favelas do Brasil, e foi publicado jornal “Correio da Manhã”, em 5 de julho de 1909. Há mais de um século.

“Essa reportagem mostra que a percepção social da violência urbana nas favelas vem de muito tempo, assim como o estigma imposto aos seus habitantes”, escreve ele. “Pelo menos desde a década de 1900, os moradores das favelas são comumente vistos como grandes promotores da criminalidade na cidade do Rio de Janeiro. Ainda mais antiga é a idéia de que as moradias populares em geral seriam prejudiciais à ordem pública.”

A edição do “Correio...” ainda afirmava que “a Favela (...) é a aldeia do mal”, além de ser a “aldeia da morte”. A partir daí, cria argumentos para tirar todo e qualquer direito dos moradores dessas áreas. “Enfim, e por isso, por lhe parecer que essa gente não tem deveres nem direitos em face da lei, a polícia não cogita de vigilância sobre ela”.

Nasce a Cidade de Deus

A antropóloga Alba Zaluar conta a história de uma das mais famosas favelas cariocas: a Cidade de Deus. Ela conta a história da remoção das aglomerações pobres na parte rica da cidade e lembra de como foi traumático o processo, “que os obrigou a deixar para trás empregos, vizinhos, amigos, associações vicinais e seus precários barracos de então”, lembrando que, nessa época, “a Cidade de Deus não tinha iluminação pública nem rede de transporte eficiente”. O resultado não é difícil de se prever.

“Em 1980, os jovens da Cidade de Deus já falavam em fuzis e ‘três-oitões’ com orgulho inconsequente”, escreve ela. “Quanto mais mortífera e cara a arma, mais admiração passava a despertar nos colegas e vizinhos por causa do poder que se associava a ela. Mais do que consideração ou reconhecimento, era e é uma questão de poder: e para garanti-lo, era e é preciso usar a arma. Eliminar membros de quadrilhas ou comandos inimigos com esses instrumentos da morte aumenta esse poder, que se baseia no medo e no respeito pelo matador. Estava criado um estilo de masculinidade violento e cruel, que matará milhares de jovens nas décadas seguintes.”

As imagens desta quinta-feira comprovam isso.”

Fonte: www.revistadehistoria.com.br


Então fui em busca do filme “Quase dois irmãos”, recomendação para o fim de semana, muito bom, intrigante, emocionante, forte. Aqui vai a sinopse e um comentário da Diretora Lucia Murat.

Argumento, produção e direção LÚCIA MURAT

Produção TAIGA FILMES

Diretor de fotografia JACOB SOLITRENICK

SINOPSE

Nos anos 70, quando o país vivia sob a ditadura militar, muitos presos políticos foram levados para a Penitenciária da Ilha Grande, na costa do Rio de Janeiro. Da mesma forma como os políticos, assaltantes de bancos também estavam submetidos à Lei de Segurança Nacional. Ambos cumpriam pena na mesma galeria. O encontro entre esses dois mundos é parte importante da história da violência que o País enfrenta hoje. "Quase Dois Irmãos" mostra como essa relação se desenvolveu e o conflito estabelecido entre eles. Entre o conflito e o aprendizado, nasceu o Comando Vermelho, que mais tarde passou a dominar o tráfico de drogas.

Através de dois personagens, Miguel, um jovem intelectual de classe média, preso político na Ilha Grande, e hoje deputado federal, e Jorge, filho de um sambista que de pequenos assaltos se transformou num dos líderes do Comando Vermelho, o filme tem como pano de fundo a história política do Brasil nos últimos 50 anos, contada também através da música popular, o ponto de ligação entre esses dois mundos. Hoje, começa um novo ciclo: Miguel tem uma filha adolescente, que fascinada pelas favelas e pela transgressão, se envolve com um jovem traficante.


LÚCIA MURAT

Desenvolver o projeto "Quase Dois Irmãos" é um pouco entrar no túnel do tempo. Reviver uma infância em um Rio de Janeiro privilegiado no seu esplendor preto e branco; reviver os anos de chumbo onde muitos mitos, não só o do bom bandido, marginal-herói, se defrontou com a dura realidade da cadeia; reviver o nosso dia-a-dia de uma cidade-exemplo da violência mundial.

Poder desenvolver este projeto, pensado de maneira fragmentária no decorrer de algumas décadas, é ir também contra a corrente de quem quer tratar a violência como fetiche. Se a violência é feia, a quem interessa o glamour dos personagens manchados em sangue?

O filme pretende mostrar as transformações ocorridas nos últimos 50 anos no Rio de Janeiro a partir de dois pontos de vista: da classe média e da marginalidade. Para isto, suas relações e conflitos vão ser dramatizados a partir de dois núcleos familiares.

Ao ritmo da industrialização dos anos 50, a classe média ascendente romantiza o malandro, jogador de capoeira e sambista. Neste momento, as relações são amistosas, marcadas por um certo carinho paternalista que se expressa em inúmeras produções culturais. O intelectual "descobre" os talentos do morro. E o morro não ameaça, nem reclama seus direitos.

A ditadura vai encontrar estes dois arquétipos na cadeia. As relações amistosas não conseguem sobreviver ao enfrentamento diário. Mas, além da separação, a convivência trouxe um aprendizado de ambos os lados. A classe média neste momento entra em contato com as transgressões - drogas e homossexualidade - que vê na cadeia. O jovem marginal, por sua vez, se aproveita da organização dos militantes para criar sua própria organização.

Nos anos 90, mais uma vez, a realidade os aproxima. Não é mais uma relação paternalista nem um enfrentamento de igual para igual.. Como nos 50, a classe média volta a ter poder dentro da sociedade civil. Só que do outro lado encontra um novo poder estabelecido com a entrada das drogas na sociedade. Um poder que também não está desvinculado do seu mundo, pois o contraponto desta realidade é o uso indiscriminado das drogas na própria classe média.

A importância para mim de "Quase Dois Irmãos" é poder confrontar esses dois mundos, essas duas razões, esses dois olhares.

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